sábado, 30 de maio de 2015

Macau em Portugal... por estes dias

Por estes dias existem muitos e bons motivos para 'rever' Macau em Lisboa. Na Feira do Livro sugere-se uma visita ao pavilhão C19 da Livraria do Turismo de Macau em Portugal. Para além de livros pode ainda participar nas sessões de autógrafos agendadas: este sábado, 30 de Maio, às 16h Maria Helena do Carmo, às 18h Isabel Pinto, às 19h António Graça de Abreu e às 21h João Botas.
No dia 31 (domingo) às 17h Beatriz Basto do Silva, às 18h Jorge Arrimar e às 19h Ernesto Matos. A 3 de Junho, às 18h Graça Pacheco Jorge e Pedro Barreiros.
Na noite de 12 para 13 de Junho Macau volta às Marchas Populares na Avenida da Liberdade através do grupo artístico “Shun Tak China Travel”, grupo artístico vencedor da “Parada de Celebração do Ano da Cabra “ em Macau, mostrando através de animados quadros marcados pela música e dança a animação e vida através dos tempos que acontece à volta dos ferries que ligam Macau a Hong Kong.
Em Junho e Julho a Casa de Macau em Portugal (CM) oferece um vasto leque de actividades. Primeiro com os almoços de gastronomia macaense às quartas-feiras (excepto dia 10 de Junho) e depois com dois workshop de gastronomia nos dias 26 de Junho e 24 de Julho. A 20 de Junho a CM celebra o 49º aniversário com o tradicional chá gordo um evento para o qual são aceites inscrições - casademacau@mail.telepac.pt - até ao próximo dia 15.
A 24 de Junho assinala-se o Dia de Macau e o blogue Macau Antigo sugere uma visita ao núcleo de Macau da exposição Presença Portuguesa na Ásia, no piso 1 do Museu do Oriente.
Na Casa de Goa (Lisboa) está patente até 7 de Junho uma exposição de fotografias da autoria de Margarida Fernandes intitulada “Olhar Macau”.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O "Exclusion Act" de 1882


Na imagem ao lado está o “Regulamento da Restrição contra os Chineses”, uma edição publicada pelo Governo dos Estados Unidos da América em 1913 e que estabelecia as regras que decorriam de uma lei denominada "Exclusion Act", aprovada em 1882.
A 6 de Maio desse ano o Congresso norte-americano aprovou um diploma legal que restringia a entrada de cidadãos (trabalhadores) chineses nos EUA durante 10 anos. A partir dessa data e ao longo dos anos as medidas da restrição foram sendo reforçadas. A 27 de Abril de 1904 o congresso aprovou mesmo a proposta do prolongamento perpétuo do regulamento, o que provocou enormes protestos por parte dos chineses que, em 1905, iniciaram uma campanha de boicote aos produtos oriundos dos EUA exigindo que a lei fosse alterada de forma a levantar as restrições nomeadamente para professores, estudantes, comerciantes e turistas. Porém não houve alterações - em 1924, por exemplo, surgiram novas restrições - e a lei vigorou até 1943 (Magnuson Act), ano em que a China se tornou aliado dos EUA na luta contra os japoneses que tinham invadido a China durante a 2ª guerra mundial.#
Por via destas restrições, todos os cidadãos chineses tiveram de se submeter às novas regras, incluindo os que viviam em Macau. Foi o caso de, por exemplo, o comerciante Pedro Leong Hing Kee. Em 1915 teve de requerer ao Governo da Província de Macau a emissão de um passaporte para ser se poder deslocar às Filipinas em viagem de negócios. Para além do pedido por escrito feito ao governador era ainda exigido um certificado de registo criminal. As Filipinas foram colónia dos Estados Unidos da América entre 1898 e 1946 e os pedidos, neste caso, eram depois encaminhados para o Consulado Geral dos Estados Unidos da América em Hong Kong.  Em baixo, o modelo que servia de base à elaboração do "Chinese Certificate".
Devido às novas restrições o número de chineses nos EUA passou de 175 mil no final do século XIX - participaram sobretudo na corrida ao outro e na construção das linhas de caminho de ferro - para cerca de 75 mil no início da década de 1940. Outra das consequências desta lei foi o facto de os chineses que já viviam nos EUA terem sido impedidos de requerer a cidadania norte-americana. Em 2012 o congresso norte-americano pediu formal e publicamente desculpas pelo seu carácter discriminatório e racista.
Sugestão de leitura: The Chinese Exclusion Act of 1882. John Soennichsen, Greenwood, EUA, 2011

Exclusion Act (1882)

terça-feira, 26 de maio de 2015

Livraria do Turismo de Macau na 85ª Feira do Livro de Lisboa

A Livraria do Turismo de Macau volta a marcar presença na Feira do Livro de Lisboa – Pavilhão C19 - que decorrerá de 28 de maio a 14 de Junho. Uma presença que ficará marcada não só por diversas sessões de autógrafos, mas também porque será a partir do stand da livraria que será emitido em directo, dia 5 de Junho, das 21h às 23h, o programa "Rocha no Ar" da RFM, com Carla Rocha como moderadora e vários convidados. A Feira do Livro é a maior montra da edição em Portugal – com perto de cem mil títulos distribuídos por mais de duas centenas de pavilhões e centenas de editores, chancelas, alfarrabistas e livreiros presentes.
Datas e sessões de autógrafos
29 Maio: 12.30h - João Botas
29 Maio: 21h - Isabel Pinto
30 Maio: 16h - Maria Helena do Carmo
30 Maio: 18h – Isabel Pinto
30 Maio: 19h - António Graça de Abreu
31 Maio: 17h - Beatriz Basto do Silva
31 Maio: 18h - Jorge Arrimar
31 Maio: 19h - Ernesto Matos
3 Junho: 18h - Graça Pacheco Jorge e Pedro Barreiros 
PS: para além destas datas serão anunciadas muito em breve outras sessões de autógrafos.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Templos e Pagodes por Leonel Barros

A propósito de mais um Dia do Buda, recordo um artigo de Leonel Barros sobre templos e pagodes chineses de Macau, muitos deles budistas.
O pouco conhecido pagode de Ieok San na rua Almirante Costa Cabral
A China é um país conhecido pela multiplicidade de templos e pagodes. Contudo, o primeiro pagode que apareceu na China foi trazido da Índia, durante a dinastia Han (206 a.C.- 220 d.C.), para servir de santuário nos mosteiros onde a imagem do Buda e algumas das suas preciosas relíquias (um bocado do seu vestuário, uma unha, um pouco do seu cabelo ou ainda um bocado do seu osso, etc.), eram encaixadas em valiosos relicários.

Pagode da Barra

Porém, dos pagodes que encontramos por toda a China, não existe sequer um, em Macau. Os que são encontrados no interior de alguns templos chineses e que vêm servindo para a queima de papeis sagrados, possuem feitios e tamanhos diferentes, em nada se igualando ao primitivo pagode trazido da Índia, que era quase todo de bronze e de formato quadrangular. À medida que a fé se ia prolongando através do povo, os chineses procuravam, sempre que possível, enterrar relíquias dos seus mais acreditados ídolos, construindo pagodes por cima . Segundo os cálculos mais recentes, em toda a China hoje existirão mais de 2.500 pagodes. Esse número não é nada exagerado pois em Macau, com uma área tão reduzida comparada com a imensa China, existem cerca de 39 templos a que os chineses deram o nome de miu e t’ap. Talvez pouca gente em Macau conheça a verdadeira origem de alguns dos templos (as imagens não são sobre os templos referidos) do território associados à medicina chinesa que se pratica hoje.
Templo de Kun Iam Tong
Comecemos por citar o pequeno templo chamado Ná-Chá-Miu, que significa em português, Templo de Ná-Chá. Há dois com o mesmo nome: um santuário, que se localiza, num bairro muito antigo em Macau, conhecido por bairro do Baixo-Monte, na Travessa de Sancho Pança, no sopé da colina da Fortaleza do Monte, onde está hoje o Museu Histórico de Macau, e outro, situado perto das Ruínas de S. Paulo, do lado esquerdo de quem sobe as escadarias. O primeiro foi construído no ano de 1853 e o segundo em 1896, sendo este último, o mais popular.
Antigamente era costume, anualmente, no 18º dia, da quinta lua, os residentes do Bairro do Baixo-Monte organizarem uma festa dedicada ao ídolo Ná-Chá, fazendo uma pequena procissão por algumas ruas de Macau, transportando uma redoma com o respectivo ídolo, acompanhada de música, queima de panchões e com a dança do leão acordado. Era nesse dia, que o público podia apreciar as cerimónias do bate-cabeças ou outras mesuras do género, no pequeno pátio deste templo. Recorde-se que, quando Macau nos anos 30 foi assolado por uma epidemia de cólera, meningite e peste bubónica, as tais procissões eram muito mais frequentes e a intenção era pedir a Ná-Chá, a protecção da cidade para tais calamidades.
Conta a lenda que havia uma mulher que se chamava Ian-Si, casada com um general chamado Li-Cheong. Um dia enquanto Ian-Si dormia, um taoista, com cuidado, colocou sobre o seu ventre um objecto em forma de uma esfera. Ian-Si ao acordar, sem saber o que se passava, deixou cair do seu ventre a tal esfera que ao rodar pelo sobrado, se separou em duas metades, saindo do seu interior Ná-chá. Tendo conhecimento do caso e julgando tratar-se de um qualquer acto sobrenatural envolvendo demónios, toda a família de Ná-Chá foi levada à presença do Imperador Jade (Yôk-Vóng) a fim de ser ouvida para, caso se provasse o carácter sobrenatural, seriam castigados segundo a norma, todos os membros da família, com a sentença de morte. Ao saber que os seus pais e irmãos iriam ser condenados à morte, Ná-Chá ofereceu-se para ser degolada, com a condição do Imperador poupar a vida dos seus familiares. O seu pedido foi aceite, tendo-lhe sido entregue uma afiada espada com que Ná-chá se suicidou, abrindo o seu próprio ventre. O seu corpo foi seguidamente enterrado numa gruta em Tai Ut Chan Ian, onde posteriormente os habitantes deste local mandaram erguer um modesto pagode (t’ap) em sua honra. Sabe-se, no entanto, que Ná-Chá durante a vida curou muitos doentes, servindo-se de ervas medicinais que diariamente colhia nas serras, ficando também conhecida por rainha da medicina chinesa.
Secagem de pivetes
Sendo assim, em Macau, quase mesmo junto da pequena ermida vê-se também uma construção desse época, uma farmácia chinesa, onde os doentes iam adquirir medicamentos que, segundo consta, eram totalmente eficazes. Acreditavam os chineses da época, que os medicamentos aviados nessa farmácia eram idênticos aos preparados por Ná-Chá enquanto viva. Algumas dessas composições chegaram a ser divulgadas após a sua morte. O pagode de Ná-Chá-Ku-Miu tem só uma parede e a cobertura está suspensa por três colunas de pedra, cada uma delas com tabuletas, onde figuram caracteres chineses de bom agouro.
Sobre esse templo escreve Jaime do Inso o seguinte: O pequeno Pagode de Ná-chá-Ku-Miu, como que aberto no meio da rua em interessantíssima disposição, num dos recantos mais típicos da velha Macau, onde se venera o terceiro filho do primeiro Imperador da China, tido como muito milagroso, serve especialmente para desfazer os maus intentos como pedir curas, obtendo-se remédios numa espécie de loja, sacristia ou habitação contínua que, com uma pequena imagem, uma virgem, parece iluminada no seu altar, com amuletos, pivetes e papeis pintados.
Este templozinho só tem uma parede e a cobertura está suspensa por três colunas de pedra, cada uma delas com tabuletas com caracteres chineses de bom agouro. Foi este pequeno templo recuperado, pelo que se sabe três vezes, sendo a primeira em 1876, a segunda e, 1882 e a última há mais de 50 anos, tendo sido as despesas pagas pelos moradores do bairro do Baixo-Monte. A botica que servia de farmácia chinesa, ainda hoje se encontra junto a este templo, mas em estado de degradação.
Texto de Leonel Barros publicado no Jornal Tribuna de Macau em 2008.

sábado, 23 de maio de 2015

Ofício do Mandarim da Casa Branca: Maio de 1829

15 de Maio de 1829 - Ofício do mandarim da Casa Branca ao procurador da cidade de Macau, exigindo informações do comércio desta colónia, em cumprimento de ordens de Pequim, transmitidas pelas autoridades de Cantão. Segue-se um excerto.
«À vista disto ele mandarim da Casa Branca, pelas indagações feitas, sabe que os navios americanos, holandeses, ingleses, franceses e dinamarqueses que vêm a Vampu negociar, estão debaixo da inspecção dos anistas, sendo portanto estes obrigados a responder pelo cumprimento das providências e disposições que se tem tomado. Enquanto às averiguações sobre Macau e sobre um regulamento que aí existe para o número estipulado de vinte e cinco navios, que podem entrar e sair nas costas e portos de comércio, incluindo-se neste número os de Portugal, que vêm de vez em quando, e os de Manila, sendo fora do dito número os que trazem de Manila arroz para vender; enquanto à medição destes navios, às viagens que fazem em cada ano, às fazendas que trazem e levam; enquanto finalmente à maneira por que em Macau tem existido desde a mais remota antiguidade um Senado português que governa e administra tudo: de todos estes pontos deverá ter o mesmo Senado em seus arquivos suficientes documentos e memórias, e desse modo poderá obter uma exacta informação para, juntamente com as outras, ser levada à presença de sua majestade imperial. Ora, não podendo ele mandarim encontrar nos seus arquivos memórias certas e documentos autênticos, e como é o sr. procurador quem governa e administrativa os negócios europeus em Macau pelo que deve ter inteiro conhecimento de tudo: ordena ele mandarim ao sr. procurador que, obedecendo prontamente, lhe dê uma exacta informação dos nomes dos vinte e cinco navios dessa praça; se presentemente está o número preenchido, ou, se falta algum, que número seja; se as fazendas que trazem passam, ou não, pela alfândega e quem é que as compra; se se dá parte ao hó-pu depois de vendidas as fazendas, ou logo que chegam, a fim de se levar ao conhecimento do hó-pú de Cantão, e, depois de obtido o despacho, terem então o seu destino; se com o arroz se procede da mesma forma como com as outras fazendas. Outrossim ordeno também ao sr. procurador que dê uma exacta e circunstanciada informação das pessoas que, juntamente com o sr. procurador, formam o Senado; de quantas são; se estes europeus, escolhidos para governar, são homens de juízo e probidade; se recebem anualmente salários, ou não, e quanto seja. Outrossim que dê também uma exacta informação das pessoas que vendem fazendas aos navios, e se das fazendas que entram e saem tira o Senado algum direito, ou não, e os direitos em que lugar ficam depositados, e que divisão se faz deles; se os europeus obedecem às leis, ou não, se trazem contrabandos, se compram sai-cy a troco de patacas, se o sai-cy se exporta, e se em Macau se introduzem fazendas proibidas».
A Casa do Mandarim - assinalada ao centro e à esq. do istmo da Porta do Cerco - neste mapa do séc. 18
Agora a resposta que teve este ofício por parte do Senado
«N.º 27 - O procurador acusa a recepção da chapa do sr. mandarim da Casa Branca, na qual, em obediência às ordens do Kuang-chau-fu, e este dos mandarins Pu-cham-si, Gan-cha-si, e do próprio vice-rei da província, em virtude de uma ordem imperial, comunicada pelo superintendente dos seis tribunais superiores e motivada por uma representação do censor político do império, pretende haver dele, procurador, várias informações sobre Macau, lugar do distrito de Hian-chan, habitado há três séculos pelos portugueses: ao que ele, procurador, satisfaz na presente chapa.
Primeiramente, quanto aos vinte e cinco navios, não falta nenhum, e os seus nomes constam da tábua que há mais de século regula: mas o procurador não pode deixar de notar uma coisa, até em benefício dos direitos de ancoragem para o imperador, e é que, antes da dita estipulação, era maior o número dos nossos navios, atento o maior número de negociantes que aqui havia e o maior comércio que então tinham os portugueses para o Japão, etc.; e depois da estipulação dos vinte e cinco navios pelo imperador Kang-hi, havendo diminuido progressivamente o comércio, perdida a viagem do Japão, etc., diminuiu-se também o porte dos vinte e cinco navios, sendo todos agora embarcações de pequenos portes, e diminuindo assim as medições. Pelo que, se o grande imperador quiser olhar por Macau e pelo aumento de suas imperiais rendas, poderia, e ele procurador pede, aumentar mais dez números para navios pequenos de dois mastros, com os quais números não será o comércio maior do que o que faziam os primeiros portugueses com vinte e cinco, e aumentarão os imperiais direitos de medição: e com esta concessão exaltarão os portugueses a graça do imperador, assim como os seus antepassados exaltaram as particulares graças dos ilustres avós do imperador actual.
Quanto às fazendas, passam pela alfândega, como sempre, e dá-se parte pelos procuradores ao hó-pu e aos mandarins do distrito logo que chegam os navios; acompanhando a participação com o competente manifesto da carga, antes desta se vender: o que desde toda a antiguidade os leais portugueses têm feito, sem nota alguma de omissos, acontecendo o mesmo com navios de Manila e de Portugal e com os navios que trazem somente arroz; as quais participações e manifestos hão-de constar dos arquivos dos hó-pus e dos mandarins do distrito.
Quanto à corporação do Leal Senado, sempre, desde a mais remota antiguidade de Macau, se compõe do mesmo número de vogais, escolhido entre os mais ilustres e conspícuos da terra, assim pela sua probidade como por seus talentos e experiências do país; e todos eles servem este ofício sem receberem salário algum: tal é o bom carácter dos portugueses e a sua lealdade aos seus reis, posto que deles tão distantes por milhares de léguas de caminho por mar. As pessoas que vendem fazendas aos portugueses são os chinas, ou os mesmos portugueses uns aos outros, quando as têm, e os capitães dos navios portugueses têm os seus nomes nos cartórios dos mandarins, quando se lhes dão os manifestos das cargas; e estas vêm para os portugueses ou da China ou das terras portuguesas ou de outras terras com que os portugueses comerceiam; e a alfândega portuguesa não tira direitos de exportação, de onde lhe vem por isso mui pouco rendimento, o qual todo se aplica para a conservação da cidade e a polícia dela e para a guardar dos piratas e de qualquer inimigo que possa de repente sobrevir por mar, visto que a cidade está situada à borda do mar.
Os portugueses são de todos obedientes às leis, não negoceiam em contrabandos, nem em sai-cy, e nos cartórios dos mandarins existem os certificados de não trazerem os navios contrabandos. Porém, que diferença do miserável comércio presente comparado com o antigo! A prata já quase se não vê; os navios reduzidos a menos cargas e às de menos lucro; a cidade com menos população portuguesa e as casas em menor número. Tendo permitido os imperadores habitarem nela os portugueses desde a Porta do Cerco até à Barra, os portugueses somente habitaram uma pequena parte de tão curto limite, tendo livres as praias para desembarcarem e para concertarem os seus navios, e alguns baldios para as suas hortas; mas, de há vinte anos para cá, a população china que só era de oitocentas almas, cresceu a quarenta mil, e a dos portugueses baixou a menos de três mil; das hortas dos portugueses no campo, alugadas aos chinas, fizeram estes suas várzeas; os baldios tomaram-os os chinas para suas boticas; e até muitas casas dos portugueses os chinas tomaram de aluguer e ficaram com elas sem pagarem os aluguéis (tais são as de Santo Agostinho, as da Rua de S. Paulo, as de Gregório de Abreu e as da Praia Pequena, que os chinas tomaram toda, edificando muitas barracas até no lugar em que era a rua). Assim vão continuando pela Barra e por Patane, onde antigamente havia casas dos portugueses; e estes, reduzidos à Praia Grande e às casas do centro da cidade, reedificando-as quando estão velhas, não tomam terrenos, nem sequer para suas igrejas, que não passam do número existente desde remota antiguidade. Tal é a diminuição da população portuguesa e tal o aumento da chinesa; contudo os portugueses, sempre fiéis ao prometido, apesar de ocuparem agora menos terreno que dantes, pagam sempre o mesmo foro da terra, sem diminuição alguma.
O bazar, que era fora da cidade, acha-se agora dentro dela, e também a multidão de casas chinas, não se podendo distinguir as dos bons homens das dos maus e dos ladrões e lanchais, que cada dia roubam aos portugueses e à gente pobre a sua roupa e os seus poucos teres. Espera portanto o procurador que, como à presença do imperador têm de subir estas informações, o imperador se lembre dos portugueses, e faça célebre o seu novo reinado com alguma graça especial, assim para o aumento do número dos navios como para que se removam tantas barracas na Praia Pequena, Barra, Praia Grande, etc., etc., e para que os chinas restituam as boticas e casas que eram dos portugueses, e conceda a estes terem suas hortas no campo, e ter mais liberdade que dantes, pois são bastantes três séculos para prova da probidade, honra e bom carácter da nação portuguesa no império da China.
Os portugueses estão agora pobres por falta de comércio, mas sempre dispostos para qualquer honroso serviço que quiser deles o imperador; pois os portugueses de hoje não se esquecem dos grandes serviços que há vinte anos fizeram ao imperador, armando muitos navios para bater o grande pirata A-pau-chai e reduzi-lo à obediência do imperador, com suas embarcações, com sua gente de muitos milhares de almas, gastando o Senado de Macau muito dinheiro em pólvora, bala, artilharia, etc., e sacrificando também suas vidas no imperial serviço, do que tudo existem frescas memórias nos arquivos sínicos e portugueses. É quanto se oferece ao procurador dizer ao sr. mandarim da Casa Branca, para ser presente ao vice-rei da província e ao mesmo imperador, de quem espera o procurador ser atendido.
Macau, 23 de Maio de 1829 -- Pedro Feliciano Oliveira Figueiredo.»

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Macau, trinta anos depois

Num artigo publicado no jornal Ponto Final a 21.5.2015, António Ramalho Eanes, ex Presidente da República de Portugal evoca a viagem oficial que fez à República Popular da China há trinta anos (Maio de 1985).
Largo Ramalho Eanes em Coloane na década de 1980
Uma convivência secular cimentou entre os povos português e chinês um tipo de relação que não é, apesar de tudo, frequente na História. Ter-se-ão os nossos Estados desentendido em diversos momentos históricos, mas sempre, entre o povo português e o povo chinês, em especial em Macau, existiu um entendimento profundo. Nenhuma vicissitude realmente séria ensombrou as relações entre a China e Portugal, e nunca, entre os dois países, se registou qualquer conflito que, pela sua gravidade, originasse uma situação de guerra.
Interesses mútuos, da China e Portugal, satisfação encontraram numa pequena parcela do grande território chinês, sem quaisquer ambições portuguesas de expansão e domínio, que sempre seriam néscias. E o clima de diálogo que foi possível preservar, em todas circunstâncias, presidiria, também, ao processo de negociação, adulto, honesto e responsável. Apesar de tudo quanto se referiu, fácil nunca foi a governação de Macau dado, sobretudo, a sua situação de manifesta vulnerabilidade relativamente à Grã-China, com a qual Portugal, parco em recursos e instrumentos de acção estratégica, manteve, nas palavras do Embaixador Duarte de Jesus, “através dos séculos um diálogo assimétrico, ambíguo e, por vezes, incoerente”. Porém, Portugal foi sempre capaz de ultrapassar dificuldades e assegurar a continuação da governação do território.
No âmbito da histórica solução imperial portuguesa, a questão de Macau não se prendia, apenas – e meramente –, com a questão de devolver a administração de Macau à China, mas de encerrar o ciclo imperial com a dignidade histórica que a nossa presença no Oriente e, em especial, a nossa presença em Macau, e a acção desenvolvida no território, mereciam, exigiam, mesmo. Além de tudo isto, Macau era, ainda, de algum modo, a antecâmara das futuras relações de Portugal com a China. Mostrar, nessa antecâmara, honestidade, competência e respeito intransigente pelos compromissos bilaterais assumidos era elevar a imagem de Portugal, criar melhores condições de relacionamento futuro, e potenciar a nossa capacidade de intervenção internacional.
Creio que a importância de Macau, na história e no devir do País, exigem que se recordem alguns momentos da sua tradição. A Lei 7/74, de 27 de Julho, que reconhecia o direito à autodeterminação e independência dos territórios coloniais, e que foi comunicada à ONU pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, excluía Macau dos territórios coloniais portugueses, satisfazendo, assim, a posição chinesa (a China considerava Macau território seu). No seguimento lógico daquela posição se enquadra a Nota do Ministério dos  Negócios Estrangeiros de Portugal, de 5 de Janeiro de 1975, que estabelecia que “para o governo português, o de Pequim era o único representante de todo o povo chinês; que a Formosa era parte integrante da República Popular da China; que o território de Macau
poderia ser objecto de negociações, no momento considerado oportuno por ambos os governos”. Outras posições se seguiram, reiterando as posições assumidas nestas duas ocasiões.
A Constituição da República Portuguesa, (aprovada a 2 de Abril de 1976 pela Assembleia Constituinte) estabelece, no seu Artº. 52º, 2. 4., que “o território de Macau sob administração portuguesa rege-se por estatuto adequado à sua situação especial”. O texto para o estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e Portugal, aprovado em Conselho de Ministros, a 4 de Julho de 1978, que serviu de directiva política ao processo negocial entre Portugal e a China, desenvolvido em Paris (Embaixadores Coimbra Martins, por Portugal, e Han Kehua, pela República Popular da China), define a posição de ambos os governos sobre a questão de Macau. Nesse texto se assumiu “o compromisso, de uma e outra parte, que nunca haveria iniciativa unilateral no sentido de uma modificação do status quo, nem via de abordar o problema que não fosse a negociação, em momento considerado oportuno por ambas as partes”. Havia “uma posição de princípio chinesa”, sobre Macau, “mas (…) também o reconhecimento do peso da História.” As negociações foram concluídas em Fevereiro de 1979, durante o governo do Prof. Mota Pinto.
Na visita do Vice-Primeiro-Ministro à República Popular da China, em Maio de 1984, a questão de Macau foi abordada. As autoridades chinesas admitiram, na altura, que o estatuto que iria reger futuramente Macau seria tendencialmente idêntico ao que fosse acordado, com as autoridades britânicas, para o território de Hong Kong. Posteriormente, declarações atribuídas pela Agência France Press ao Primeiro-Ministro português, durante a sua visita ao Japão, em Junho de 1984, de que “Macau continuaria a ser administrado por Portugal, mesmo depois da recuperação da soberania de Hong Kong pela China”, levantaram alguma preocupação na República Portugal da China. Mas, logo a 9 de Julho de 1984, o Governo confirmou, perante o Presidente da República, não ter havido modificação na posição portuguesa relativamente a Macau, tendo-se tratado de um erro na tradução das declarações proferidas pelo Primeiro-Ministro no Japão e que telegramas, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para as Embaixadas de Portugal em Pequim e Tóquio, esclareciam o assunto.
A minha visita, enquanto Presidente da República, à China, em Maio de 1985, situa-se no quadro definido e consequente situação irreversível, visto que a Portugal apenas cabia cumprir as obrigações acordadas com a República Popular da China, respondendo à responsabilidade assumida com a população de Macau, respeitando a sua dignidade e interesses, intensificando a sementeira dos seus interesses naquele território da promissora China. Na agenda de conversações, estabelecida entre Portugal e a China, para a visita, não se indicava concretamente Macau. Havia, no entanto, um ponto que se referia a interesses de âmbito comum. Seria, pois, natural que essa questão fosse aí incluída. Na preparação da visita, nomeadamente com o Governo, essa eventualidade foi abordada, e entendeu-se que era de manter o estabelecido desde sempre, nomeadamente no Acordo de Paris: a transferência de administração poder-se-ia fazer mediante discussão diplomática entre as duas partes e o acordo que viesse a ser estabelecido. A reacção de surpresa em Lisboa à notícia de que os dois países tinham decidido iniciar um processo negocial visando a transferência de Macau foi natural, por dois motivos.
Primeiro, a opinião pública portuguesa não tinha sido informada de que os chineses já tinham mostrado interesse em que o problema da administração de Macau fosse negociado, e que tal merecera a concordância governamental portuguesa (vice-presidente do governo do «bloco central»). Segundo, porque houve intervenções no Parlamento, essas menos compreensíveis, pois os parlamentares tinham obrigação de conhecer o Acordo de Paris, com o qual, aliás, se tinham congratulado.
Quando a República Popular da China propôs a Portugal encetar o processo negocial para a transferência da administração de Macau para a China, Portugal não tinha nenhuma razão, nem objectiva, nem subjectiva, nem poder, para dizer que não queria discutir a questão. O que se passou na minha visita à República Popular da China, em especial no que se reporta a Macau, consta da acta nº 9 do Conselho de Estado e elimina quaisquer dúvidas históricas, que existissem, sobre o que então se passou. No encontro com Zhao Ziyang tive ocasião de dizer que, relativamente às questões pertinentes ao relacionamento bilateral entre a República Popular da China e Portugal, abordava a questão de Macau, assinalando, desde logo, ser um problema que a História legara, quer a Portugal, quer à República  Popular da China e que me parecia que o entendimento amigável, alcançado em 1979, aquando do estabelecimento de relações diplomáticas entre ambos os países, permitia uma clara e ajustada caracterização da situação. Nos termos de tal entendimento, ficara reconhecido e assente ser Macau território chinês. No entanto, e até ao momento em que fosse definitivamente entregue à República Popular da China o exercício integral da respectiva soberania, ficaria a administração do território confiada à jurisdição portuguesa. Atenta essa situação, encontrava-se Portugal disponível para, em momento a acordar, diplomaticamente, serem encetadas conversações sobre a transferência da administração de Macau. Era convencimento de Portugal que o processo negocial seria iniciado quando as duas partes o entendessem, mas em qualquer circunstância com o objectivo e a preocupação de preservar os legítimos interesses da República Popular da China, de Portugal e de Macau.
Assim, a 13 de Abril de 1987, o governo da República Portuguesa e o governo da República Popular da China assinam uma Declaração conjunta em que estabelecem que “a região de Macau (…) faz parte do território chinês e que o Governo da República Popular da China voltará a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999”.
O acordo conseguido, “em conformidade com o princípio «um país, dois sistemas»”, honrou a República Popular da China, respeitou a dignidade de Portugal e salvaguardou os justos interesses de Macau. Justo é referir o papel do último governador português do território, General Vasco Rocha Vieira, que dotou Macau de especiais condições,  internas e internacionais, que em muito potenciaram o seu interesse para a China e contribuíram decisivamente para o sucesso da transferência, ao actuar na adequação dos diferentes subsistemas sociais (educação, saúde, justiça, etc.); ao manter um clima de dialogante abertura, legítima exigência e cuidada transparência para condições criar para um salutar relacionamento de Portugal com Macau e com a China, e de Macau com os países africanos de língua oficial portuguesa. 
O futuro reserva-nos, estou certo, caminhos de amizade e cooperação que a China e Portugal interesse têm em continuar a percorrer com mútuo proveito. 
António Ramalho Eanes

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Certidão de assento de casamento em 1940

Certidão de assento de casamento (de 1924) feita pelo presbítero Manuel Teixeira "pároco da freguesia de S. Lourenço, da cidade de Macau, na China" em 1940.
O casamento foi entre José Francisco de Sales da Silva, primeiro oficial da secretaria do governo, com 42 anos, viúvo, natural de Macau, e Carmen Eugénia Ribeiro, de 21 anos, solteira, também natural de Macau. Casaram a 10 de Maio de 1924 na capela do Paço Episcopal e diocese de Macau.
Agradecimento: Eugénio Novikoff

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Singela homenagem à professora Ana Maria Amaro

No prefácio ao livro “Portugueses das Sete Partidas”, Aquilino Ribeiro deixou as seguintes palavras: “A Ásia, cuja odisseia se venceu há quatro séculos, continua a ser o nosso exuberante teatro de maravilhas. Quanto mais se explora mais tem a oferecer-nos”. 
Com o desaparecimento da professora Ana Maria Amaro (1929-2015) ficamos todos mais sós nesse palco do teatro de maravilhas, de que nos falava o Mestre Aquilino. Quem mais teve essa capacidade epistemológica para cruzar saberes, saindo das pautas canónicas e do corpus hermeticum, para casar a etnologia com a botânica, a antropologia com a história, a sinologia com a literatura ou a biologia com a linguística? No passado recente, talvez só José Gomes da Silva e Almerindo Lessa. Chegou a Macau em 1957, acompanhando o marido, Fernando Amaro, aí colocado no cumprimento do serviço militar obrigatório e que foi ajudante de campo do Governador Jaime Silvério Marques e secretário do Governador Lopes dos Santos. 
Num escrito autobiográfico, “Histórias de Encanto e Desencanto”, Ana Maria Amaro recorda o seguinte: “Setembro de 1957. O tufão Glória varrera o mar próximo de Hong-Kong e Macau sentiu a sua força ficando vestida de destroços. Foi assim trajada, com os cabelos verdes das grandes árvores de gondão sobre os passeios, raízes emergentes de caldeiras desventradas mostrando terra nua, grandes lagos cobrindo as hortas dos aterros, madeiras velhas e mastros quebrados flutuando, arremessados pela ondulação sobre os paredões litorais, em destroços, que a cidade nos recebeu”. Mas, outros problemas se avizinhavam, não conhecendo a língua e os costumes sentiam-se “completamente estranhos e, pior do que isso, surdos-mudos e analfabetos. Foi uma história de desencanto a da nossa chegada a Macau, tal como de desencanto foi a história do nosso regresso. 
Mas, entre estas duas histórias, outras houve de encantamento e muitas delas passadas no Liceu”. No Liceu de Macau, inicialmente no velho e charmoso edifício no Tap Seac e depois nas novas instalações no Porto Exterior, onde leccionou durante quinze anos, foi uma professora inesquecível para diversas gerações de alunos. Precursora da escola cultural, mobilizou a comunidade educativa para récitas, para o teatro, para o jornalismo, sobretudo para o experimentalismo científico em trabalhos de campo. Parecia que o conhecimento de Macau também entrava pelo currículo dentro. 
Graciete Batalha no seu diário “Bom Dia, S’Tora”, dizia que Ana Maria Amaro tinha “sem dúvida o génio das festas escolares e que costuma ensaiar com eles coisas engraçadíssimas”. Tinha duas licenciaturas, uma em Biologia e outra em Antropologia Cultural e Social para além do Curso de Ciências Pedagógicas, por isso leccionava Ciências Naturais e Geografia. A primeira aula ficou gravada na sua memória: “Lembro-me da minha estreia diante dos alunos, na sua maioria macaenses. Era um 5º Ano. A sala ficava ao fundo, no rés do chão e dava para um pátio ou quintal, para onde se abriam grandes portas envidraçadas. Vesti para a ocasião o meu vestido azul, embora já sem o plissado original que o tufão Glória desfizera e cujas bolas brancas anilara ligeiramente. Eu só tinha dois vestidos de verão. Aquele era o melhor. Com ele desembarcara. Olhei para os alunos, que se levantaram e que eu mandei sentar. Lembro-me do Júlio Branco, muito ruivo, da Maria Adelina Magalhães, da Ana Maria Silva e de tantos outros rostos bonitos e pares de olhos brilhantes, atentos, fixos em mim. Eu preparara bem a lição, que o director de ciclo me dissera ser a que continuava a matéria dada até ali. No entanto, sentia-me de certo modo angustiada, como a actriz principiante que então era, chamada pelo contra-regra para entrar em cena.(…) Tentava recordar as lições de pedagogia que estudara na Faculdade de Letras, à procura da resposta para como actuar. Optei por ser eu própria e deixar correr, ao sabor da maré, aquele meu barco cheio de esperança, onde punha à prova a minha capacidade de fazer aprender. Foi um encantamento o meu encontro com os alunos macaenses. Através deles, consegui encontrar o fio que me conduziu à identidade cultural dos filhos-da-terra e deixar-me conquistar, e ser conquistada, pelo inegável fascínio de Macau. Eu sentia-me bem no Liceu. Gostava dos alunos. Gostava de preparar as aulas e de tentar transmitir alguma coisa, de mim, àquele punhado de adolescentes que me eram confiados”. 
Precipitou-se então nesse abismo de conhecimentos sobre Macau e os seus costumes, sobre a identidade cultural dos macaenses e sobre a cultura chinesa, sublevando-se contra a indolência, a inércia e a indiferença. E o resultado foi uma imensa e multímoda obra, demonstrando que a macaulogia era assimilável aos olhos europeus e da qual deixo este registo sumário: “Relíquias Botânicas de Macau”, 1961; “Catálogo Provisório das Espécies Mais Comuns da Flora de Macau”, 1961; “Vendilhões Chineses de Macau”, 1966; “Alguns Aspectos do Artesanato em Macau”, 1967; “O Jardim de Lou Lim Ioc”, 1967; “Alguns Aspectos da Medicina Tradicional Chinesa”, 1972. 
Regressa a Portugal em 1972 para nunca mais retornar a Macau. Doutorou-se no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, defendendo uma tese sobre “A Medicina Popular em Macau” (inacreditavelmente ainda não publicada), iniciando uma nova carreira docente da qual se jubilará como professora catedrática. Desenvolveu uma intensa actividade científica em torno de Macau e dos estudos chineses. Fundou o Fórum de Sinologia, o Centro de Estudos Chineses e presidiu ao Instituto Português de Sinologia. A obra desta fecunda etapa da sua vida é muito extensa, e da qual retenho os seguintes títulos: “Aguarelas de Macau: Cenas de Rua e Histórias de Vida”, 1998; “Estudos Sobre a China”, 1998-2006, 8 volumes; “O Mundo Chinês: um longo diálogo entre culturas”, 1998; “Das Cabanas de Palha às Torres de Betão: assim cresceu Macau”, 1998; “Filhos da Terra”, 1993; “Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo”, 1992; “Três Jogos Populares de Macau: Chonca, Tabu, Bafá”, 1984; “O Traje da Mulher Macaense: da Saraça ao Dó das Nhonhonha de Macau”, 1989; “Adivinhas Populares de Macau”, 1975; “Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau”, 1972. 
Seria muito importante, para a memória das gerações futuras, que fosse feito um roteiro biográfico e bibliográfico desse vulto cimeiro da macaulogia e da sinologia de matriz portuguesa que foi a professora Ana Maria Amaro. Vale a pena mencionar esta discreta faceta benemerente de Ana Maria Amaro. Após o falecimento do marido, Fernando Amaro, antigo professor de matemática no Liceu Gil Vicente, decide oferecer a sua valiosa biblioteca particular, constituída por milhares de volumes, com especial incidência sobre Macau, a China, o Oriente e África à Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira, em Leiria, que justamente inaugurou a “Sala Fernando Amaro”, em 27 de Julho de 2013. Em arquivo ficaram importantes núcleos documentais [Liceu Infante D. Henrique; Liceu Central de Macau; Leal Senado; Consulado Geral de Portugal em Cantão; Comarca de Macau] susceptíveis de interessar aos investigadores de Macau. Um belo exemplo de amor à cultura, para louvar e imitar, se possível. Fernando Amaro também nos deixou alguns estudos sobre o Território, que nos cabe recordar: “Fundições e Fundidores Artilheiros Portugueses na Ásia e em África”, 1960; “História Militar de Macau”, 1961; “Achegas para a reconstituição histórica da fábrica jesuíta de São Paulo de Macau”, 1961. No termo dos “Filhos da Terra” Ana Maria Amaro colocou esta questão radical cujo sentido continua muito pertinente: “No final do século XX, que rumo seguirá a sociedade macaense e em que medida os macaenses conservarão os seus antigos padrões culturais hibridados?”. Parece que ainda é cedo para podermos responder.
Texto da autoria de António Aresta. Imagens seleccionados por JB com agradecimento a Rebeca Alves pelo fotografia dos tempos do liceu.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Morreu o teclista dos The Thunders

Herculano Alexandre Wong Airosa, conhecido entre os amigos por "Alou" morreu este sábado em S. Paulo (Brasil), onde estava radicado há vários anos e onde chegou a ser presidente da Casa de Macau local. Alou foi teclista e membro-fundador do grupo musical “The Thunders”, conjunto de música ligeira que obteve grande sucesso em Macau e em Hong Kong durante as décadas de 1960 e 1970, em especial com o tema "Macau, terra minha". 
 
 
 
 
 
Os The Thunders chegaram a assinar contrato com a editora EMI, participaram no filme "Made in Hong Kong", deram inúmeros concertos, eram presença regular na televisão e venderam milhares de discos. O grupo, que tinha canções em português e inglês, era formado por Herculano Airosa (órgão), Armando Sales Ritchie (viola baixo), Rigoberto do Rosário (guitarra) e Manuel Costa (bateria).

domingo, 17 de maio de 2015

Denominações comerciais peculiares

Seja por má tradução ou por erro do pintor que as pintava provocando gralhas e falta de fiscalização efectiva, sempre existiram em Macau denominações comerciais muito peculiares que chamam a atenção por se encontraram à vista de todos nas chamadas "tabuletas"...
A obrigatoriedade do português neste tipo de "reclamos" só surgiu em 1932. Foi no tempo do governador António Bernardes Miranda que passou a ser obrigatório o "uso da língua portuguesa nas tabuletas, cartazes, anúncios, programas e reclames e bem assim nas listas de mesa de hotéis, restaurantes, casas de pasto e outros estabelecimentos similares". Até então, existia de tudo a um pouco: chinês, português, inglês...
Vou tentar neste post reunir algumas das mais 'conhecidas' e caricatas designações não sei antes referir que este tipo de situação também ocorria/ocorre na sinalização temporário de obras (públicas e privadas) bem como nos anúncios oficiais e editais. 
Nos cerca de 10 anos que vivi em Macau pude ver muitos destes exemplos e os que encontrava, por exemplo, nas ementas de alguns restaurantes. Um nunca mais me esqueci: "canja de Lola de Corne" (canja de lulas e de carne) ou nas escadas dos prédios e nos elevadores: "Indicação dos pisos parados ao nível dos pisos"
como diria um amigo meu macaense: "Macau sã assi..."
- I VO Peixes de Estimação
- Esta Belecimento de Comidas Para Saúde e Longividade U Pou Vo»
- Sociedade Malandro Limitada
- Associação Saudavel de Macau
- Kuai Lam Passarinhos Quadrupedes
- Kei Aves de Loja
- Barbearia Design "Restaurante"
- Português imóvel Kam Un
- Estabele cimento de Comidas
- sopa de Denominada Kan Kei
- Café de Padaria
- Massagista (Quedas e Pancadas) Kong Man Kuai
- Man Kei Congeladas Carnes Loja De
- Ngai Wa Vidrosa Decoracao
- Mun Li Ferrosvelhosde
- Erros Velhos Man Kei
- Comtanhia de Tapel Pintado e Real
- Ngai Fa Salaodebelela
- Garpintaria Pun Kan Kei
- Fabrica de Vestuario Casa Temperada
- Sala de Estuda Intelegente
- Printo-a-Vestir Ringo
- Seng Chap Velho Ferro Chap Seng
- Escola dos Filhos e Irmãos dos Operarios
- Chinesa Faracia Pou Chi
- Artigos de Pesga Tong Kuong
- Oficina de Erralharia
Parteira Para Homens
- Fabrica de Preparar O Vinho Yi Vo
PS: por certo os leitores do blogue já identificaram e têm registo de outros casos. Caso queiram, enviem que tratarei de fazer um novo post sobre o tema com os vossos contributos.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

"Macau é uma recordação agridoce”

Ana Maria Amaro é um nome incontornável entre os que se dedicaram a investigar a história de Macau e da China. Chegou em 1957 “com os restos do tufão ‘Glória’” e regressou a Portugal em 1972 mas nunca cortou a sua relação com o Território, “essa terra fascinante” onde iniciou a carreira docente. Hoje é Professora Catedrática Jubilada e presidente do Instituto Português de Sinologia. Nesta entrevista fala-se de tudo isto, de livros, dos que escreveu e dos que aguardam edição e recorda-se ainda a viagem a bordo do paquete “Índia” na já longínqua década de 1950 do século passado.
Entrevista de João Botas publicada no JTM a 8.1.2010
– Saudades de Macau?
Sim. Saudades que doem como de algo que ficou para trás irrepetível; do tempo feliz que vivi com o meu marido em Macau.
– Chegou em 1957. Como surgiu a oportunidade de rumar ao Território?
Casei-me em 1956 e acompanhei o meu marido que, como oficial miliciano, foi colocado em Macau.
- Foi amor à primeira vista?
Não, esse amor foi-se construindo à medida que fui conhecendo e compreendendo essa terra fascinante.
– Recorda-se da viagem a bordo do “Índia”?  
A viagem a bordo do “Índia” durou cerca de um mês. Foi uma viagem inesquecível. O navio não tinha condições óptimas. Tinha sirocos que não conseguiam projectar ar fresco principalmente ao chegarmos ao Suez. Os camarotes ditos de 1ª classe eram desconfortáveis. Mas tudo fazia parte de uma grande aventura. Éramos novos e não fazíamos a mínima ideia do sítio para onde íamos nem como íamos nem talvez porque íamos. Calhou Macau na lista de colocações.
Quanto à viagem fomos pelo Suez. Passámos à vista da Ilha do Gozo e da Ilha de Malta. Chegámos por fim ao maravilhoso azul do Mediterrâneo Oriental. Saímos em Porto Said e inscrevemo-nos para uma excursão ao Cairo enquanto o “Índia” descia o Mar Vermelho. Foi difícil obter autorização para sair porque os passageiros eram todos militares com excepção do Reitor do Liceu de Goa que viajava com a mulher e dois filhos.
O Egipto estava num caos. Os ingleses tinham acabado de sair mas os resultados dos confrontos estavam à vista. A estátua do Lesseps estava no fundo do canal. Havia rolos de arame farpado, aquartelamentos vazios, sacos de areia pelos passeios e nos pequenos oásis que haviam sido casas de chá ou sítios de paragem naquela travessia de uma terra tão árida, meios destruídos e pilhados, restavam grades de Coca-Cola e de outros refrescos. Foi nessas grades que nos sentamos e foi aí, em Agosto de 1957 que provei pela primeira vez (e gostei) a famosa Coca-Cola do tio Sam. Tínhamos almoçado num restaurante de Porto Said. Serviram-nos bifes de camelo panados com um molho de paladar exótico mas muito saboroso. A carne de camelo é muito branca e houve quem tivesse tido a triste ou jocosa ideia de sugerir que eram bifes de inglês. A sobremesa era também uma delícia. Era tudo diferente, tudo novidade. A viagem entre Porto Said e o Cairo foi feita em bons automóveis que seguiam a mais de 100km à hora. Guiados por egípcios que ressumavam ódio aos ingleses. Os carros tinham rádio que emitia música egípcia cujo ritmo era acompanhado pelos batimentos das mãos dos motoristas no volante. Quando se passava por um aquartelamento abandonado o motorista que cantava e batia o compasso sobre o volante levantava as mãos como quem saudava Alá e gritava como um íman no Alto da Mesquita: “English finished”. (...)
Depois do Egipto desembarcámos em Aden, fomos ver a cidade velha. Foi também uma novidade, seguiu-se Mormogão e uma estadia cerca de uma semana em Goa. Vistamos Goa, fomos recebidos pelo reitor na sua residência e ofereceu-nos um caril delicioso. Por fim tentou convencer-me a ficar no liceu de Goa, uma vez que não ia contratada para o liceu de Macau. Goa estava em pé de guerra mas não se sentia hostilidade, gostamos muito e foi uma tentação a hipótese de ficar por lá. Na estrada que liga o porto de Mormogão a Bongmaló, onde havia um aquartelamento perto de uma praia maravilhosa encontramos na estrada o menino mais bonito que eu vi na minha vida, uns olhos lindos; um sorriso doce vinha cumprimentar-nos sempre que ali passávamos. Na pequena casa onde vivia havia um Tuloss que assinalava a sua residência hindu. A permanência em Goa daria muitas páginas de relato. Quando saímos de Mormogão rumámos a Singapura cidade que nessa altura também visitámos.
Finalmente foi Hong Kong onde chegámos na asa do tufão Glória. O porto estava fechado à entrada havia barcos naufragados sobre as rochas. Mas o nosso comandante entrou e no dia seguinte chegámos a Macau onde o “Índia” fundeou na rada. Foi de batelão que desembarcámos em Macau e no Porto Exterior não havia ninguém á nossa espera. Macau apresentava um aspecto assustador. Árvores arrancadas pela raiz, hortas alagadas, suínos mortos ao longo da estrada e tudo cinzento envolto em neblina.
– Nesse final da década de 1950, como era Macau?
Dizer como era Macau nos anos 50/60 do século XX daria um livro. São tantas as memórias, tantas as ocorrências e para mais ter que começar por fazer uma abordagem dos três grupos que se ombreavam em Macau: os “portugueses de Portugal” (que comi bem e págà mal) no dizer da terra, os “filhos da terra” e os chineses, uns muito ricos outros muito pobres refugiados de vários pontos da China que eu conheci nas hortas. Alguns apontamentos encontram-se no meu livro “Aguarelas de Macau: cenas de rua e histórias de vida” (Macau 1998) que não é ficcionado apenas tem os nomes das pessoas trocados.
– Só dois anos depois de chegar (1959) é que se estreou como professora no liceu...
Entrei no liceu em 1958 mas já a meio do ano lectivo como eventual. Só no ano seguinte é que surgiu uma vaga para a qual concorri e comecei a dar aulas. Foi uma experiência que não foi grande novidade porque tinha passado parte da minha vida a dar explicações e a dar aulas no colégio primário da minha mãe que tinha o Curso Superior de Piano por Londres (mas que abandonou a carreira quando casou). Os alunos macaenses eram alunos excepcionais. Nunca tive turmas tão boas como as que tive em Macau. Alguns desses alunos ainda são meus amigos. Ainda dei aulas no liceu velho no Tap Seac. A minha primeira aula foi com uma turma do quinto ano.
– Entretanto era inaugurado o novo edifício do Liceu na Praia Grande...
As instalações eram boas. Apenas era um liceu com menores dimensões do que os novos liceus de Lisboa.
– Quando e como começou o interesse pela História de Macau? Foi Macau que lhe fez despertar o gosto pela história da China?
A história de Macau assim como a história da China servem-me apenas de suporte à Etno-História que é aquilo que eu gosto de estudar. Aliás eu tenho duas licenciaturas: Biologia (Fitossistemática e Etnobotânica) e Antropologia Cultural e Social (civilizações orientais: China/Macau) que foi a área em que me apresentei em doutoramento na Universidade Nova. Eu tinha acabado o curso de Biologia e o curso de Ciências Pedagógicas em 1954. A seguir trabalhei na escola da minha mãe e sempre me interessei pelo Fitossistemática e pela Etnobotânica mas só em Macau é que tive tempo e motivação para investigar aquilo que não conhecia no desejo de perceber onde estava e não me sentir analfabeta e surda, isto é, não saber ler nem compreende o que os chineses escreviam e diziam.
– E os livros. Como começou?
Não escrevi muito livros. Artigos os mais diversos em revistas portuguesas e estrangeiras isso sim. Sinceramente não sei dizer quantos, o meu CV tem mais de 60 páginas e não está actualizado desde 2006. Como comecei? Comecei precisamente por um artigo no Boletim Eclesiástico da diocese de Macau onde comecei a publicar os resultados da minha investigação sobre o mundo verde de Macau. Sempre gostei de Fitossistemática tive um excelente professor, o professor Carlos Tavares director do Instituto Botânico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que me ajudou sempre que encontrei dúvidas na identificação daquelas plantas que povoavam Macau e que eu desconhecia. Servi-me de várias floras que existiam na biblioteca do liceu e das velhas lupas do laboratório de Ciências Naturais.
– Algum livro lhe merece especial destaque?
Merecem-me especial destaque os dois que estão inéditos à espera de Editor ou de apoios financeiros das Fundações interessadas em estudos sobre Macau/China. Um é sobre as hortas periféricas de Macau, foi o meu trabalho de licenciatura em Antropologia: “Prática Agrícola em Espaço Urbano, as Hortas de Macau”. Nesse livro eu apresento toda a técnica chinesa no aproveitamento dos aterros salgados a partir de adjuvantes naturais.
O segundo livro é a minha tese de Douramento sobre Medicina Popular de Macau, tem cerca de três mil páginas dactilografadas e a par de várias técnicas e “mezinhas” usadas pela população chinesa e luso-asiática, a recolha de cerca de 600 receitas quase completamente identificadas em relação a todos os seus componentes essencialmente vegetais. Sem orientador e apresentada só a partir da nota de licenciatura, teve a classificação máxima.
– Tem ainda um outro livro já pronto...
É a segunda parte do livro “Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau” cuja primeira parte foi publicada em 1956 mas nos anos 80 já estava esgotada. Este segundo livro tem dois volumes e o primeiro deles está a ser impresso pago por mim. O segundo volume ficará muito dispendioso porque precisa de várias imagens a cores e eu não poso suportar por mim o resto da edição. Os outros dois estiveram no Instituto Cultural de Macau e chegaram a ser preparados para serem impressos mas passaram muitos anos desde que eu enviei os manuscritos acompanhados da disquetes. Quando se falou na transição de Macau para a China fui aconselhada por algumas pessoas entre elas um funcionário do ICM a pedir a devolução dos originais por livro tão dispendioso e não comerciáveis não seriam publicados, por isso, eu tenho os originais comigo mas as disquetes algumas perderam-se.
– No livro “Filhos da Terra” tem uma definição muito própria sobre o que é ser macaense... diferente da de outros, por exemplo, o Monsenhor Manuel Teixeira...
- Continuo a manter a minha definição de filho da terra como macaense baseada em dados antropológico e não meramente históricos, políticos ou sociais. Macaense é todo o natural de Macau por uma questão de jus soli. Contudo Macaense como etnónimo que substituiu a palavra macaísta ou maq’ista que se tornou depreciativa por “gozo” de alguns portugueses estranhos à terra. Estes macaenses são luso-descendentes com identidade cultural muito própria com tendência a esbater-se com o decorrer do tempo. Pessoalmente gostaria que a mantivessem.
– Concerteza viveu muitos momentos ‘marcantes’ em Macau...
Foram muitos mas posso talvez destacar dois. Pela negativa os Riots de 1966 (levantamento dos guardas vermelhos). Pela positiva, eu tinha realizado um estudo do Jardim de Lou Lim Yok que foi publicado num Boletim Luís de Camões no princípio dos anos 60. Fiz a proposta da sua recuperação porque estava condenado a ser destruído e substituído por prédios de vários andares. O processo de recuperação do Jardim foi moroso. Quando chegou a Macau o governador Nobre de Carvalho, conheci e tornei-me amiga da esposa D. Julieta. Levei-a a visitar o jardim que era, de facto, o meu “jardim de Alice”. A D. Julieta tem uma enorme sensibilidade artística e isso deve ter influenciado o Sr. Governador seu marido a interessar-se e a conseguir a recuperação do jardim. Poucos meses antes de nós regressarmos a Portugal nos fins de 1972 encontrava-me eu no templo de Mong Há (Kun Yam Tong) a estudar os baixos-relevos das mesas e dos nichos além dos dísticos das colunas quando entrou o Sr. Roque Choi e disse-me ao ver-me que o Jardim de Lou Lim Yok ia ser recuperado. Já estavam ultrapassadas todas as dificuldades. Para mim foi uma notícia muito gratificante. Pena foi que a recuperação não tivesse respeitado inteiramente a antiga traça.
- Que memórias guarda de Macau?
As memórias que guardo de Macau são muitas. Imensas. As mais marcantes constam do meu livro aguarelas de Macau. Muitas outras prefiro não falar nelas.
– Regressou a Portugal em 1972. Como era Macau nessa altura?
Macau em 1972 estava a começar a crescer. Esboçava-se a primeira ponte que ligou a Península à Ilha da Taipa. Aproximavam-se os anos 80 e a explosão do crescimento na vertical e a conquista dos aterros. De resto, do ponto de vista social, pouco diferia dos anos 60.
– Foi para Portugal mas sem cortar o cordão umbilical com Macau, se assim se pode dizer...
É certo. Vivi intensamente os anos em que residi em Macau entre a comunidade macaense dos filhos da terra e a comunidade chinesa. Impossível esquecer esse tempo.
– Como surge o Centro de Estudos Chineses do ISCSP?
O Centro de Estudos Chineses surge em 1999 na sequência do sucesso de 1º curso de Língua e Cultura Chinesas que criei através da Associação de Estudantes. Este curso de três anos foi estruturado à semelhança do que se ministrava na Universidade de Londres (SOAS). Tive o apoio do nosso Presidente do Conselho Directivo Professor Doutor Óscar Soares Barata, pessoa esclarecida, inteligente e que se apercebeu da importância de nos debruçarmos sobre a realidade chinesa. Este curso foi criado em 1996. Em 1999 o curso passou a ser integrado no ISCSP e coordenado pelo Centro de Estudos Chineses que também organizava anualmente uma Semana Cultural da China, publicava um livro com os trabalhos apresentados nesses congressos e, também, trabalhos de professores e alunos do Curso de Língua e Cultura Chinesa. Destes livros designados “Estudos sobre a China” foram publicados oito volumes alguns deles duplos.
– Em 2007 criou o Instituto Português de Sinologia...
Em 2006, quando o Professor Doutor Óscar Soares Barata se jubilou e o Conselho Directivo passou a ser presidido por outro Professor, o Centro de Estudos Chineses foi extinto e recusada a prossecução das suas actividades. Repetidas vezes pedi para ser esclarecida acerca dos motivos desta resolução. Nunca recebi resposta. Aliás, foi-me dito em conversa informal, que estas actividades não eram lucrativas. Foi assim, para não perder o trabalho de tantos anos, que criei com um grupo de estudiosos da História e da Cultura Chinesas, o Instituto Português de Sinologia. Sem interesses lucrativos, sem quotas porque não é uma associação (os membros são aceites por currículo mas não pagam nem quotas nem jóia). Vivemos dos apoios das Fundações sendo de citar a Fundação para a Ciência e Tecnologia, a Fundação Macau e a Fundação Jorge Álvares. Os nossos objectivos são, fundamentalmente, a divulgação da Língua e da Cultura Chinesas através de palestras, colóquios, exposições, workshops e a organização anual de fóruns internacionais cuja 5ª edição está prevista para Fevereiro/Março de 2010 (www.ipsinologia.com). Também publicamos a Revista Zhongguo Yanjiu (Revista de Estudos Chineses) cujos nº 4 e 5 estão no prelo. O IPS também dá apoio a investigadores portugueses e chineses que se dediquem a estudos sobre a China.
- Que relação mantém actualmente com Macau?
Tenho ainda alguns amigos em Macau com os quais me correspondo e mantenho relações cordiais. Tenho tido sempre o apoio generoso da Fundação Macau e do Instituto Internacional de Macau.
- Tem lá voltado?
Tive vários convites para ir a Macau. Mas não voltei. Agradeço sempre esses convites mas não voltarei a Macau porque quero manter a imagem do Macau que eu conheci e que me parece ter pouco ou nada que ver com Macau dos nossos dias.
- Como é que vai tendo conhecimento sobre o que lá se passa?
Através dos jornais. Recebo, regularmente, como oferta generosa que muito me penhora “O Clarim” e leio online tudo quanto consigo encontrar. Também tenho visto vídeos e pequenos documentários.
- Este ano assinala-se o 10º aniversário da transferência de soberania. Que balanço faz, ainda que há distância…
Pelo que ouço parece-me que Macau está a progredir. As pessoas estão felizes? Será que a proliferação dos casinos e do jogo como factor de progresso é progredir? Não acentua assimetrias?
- Acha que a realidade de Macau é suficientemente abordada na sociedade portuguesa? Como é que acha que Portugal vê Macau actualmente?
Acho que a realidade de Macau não é sequer conhecida na sociedade portuguesa e há muito poucas pessoas interessadas em conhecê-la. A maior parte das pessoas interessadas são macaenses ou antigos habitantes de Macau.
- Perspectivas sobre o futuro de Macau…
Penso que Macau vai continuar a prosperar sob o fulgor do néon dos casinos. Mas não acredito na continuidade da língua e da presença portuguesa a longo prazo.
- Numa frase ou numa palavra… o que é para si Macau?
Macau é uma recordação agridoce.